Santa Clara: O inimigo esconde muitas armadilhas para enganar as almas

 



Clara, doutrinadora das filhas e mestra das rudes, dedicou-se com o maior esforço a guardar o rebanho que lhe fora confiado, repartindo para ele o pão da vida, dando-lhe nutrição para se salvar. Como uma mãe, formava os costumes das discípulas, admoestava com suavidade e animava com bondoso afeto.

Considerando que não era conveniente morarem no mesmo lugar a majestade da alma com o feio amor da carne, que a união com luz não melhora as trevas (cfr. 2Cor 6,14), que o honesto não combina com o torpe, ensinava as Irmãs a expulsarem de dentro da mente o fragor da carne, e a se esforçarem por dedicar-se a Deus, esquecendo-se, no recesso da mente, de sua pátria; pondo para fora os próximos pela carne, restringindo os miseráveis afetos da carne e todos os seus enganos, tendo a razão como mestra.

Por isso, a madre ensinava e demonstrava que o inimigo insidioso esconde muitas armadilhas, para enganar as almas puras. E que, esperto, tenta os mundanos de um jeito e os santos de outro. E que o inimigo tenta por diversos caminhos abertos: às vezes luta com os vícios, às vezes engana vestido de virtude, constrói o falso como se fosse verdadeiro, esconde o que é torpe e obsceno sob a aparência de honesto.

E porque a mente sofre de muitas formas no sossego, o ânimo se entorpece na oração, torna-se preguiçoso na meditação, a mente, agitada por diversas preocupações, nelas se alimenta, é bom que se submetam as diversas coisas à mente uma por uma. Numa hora, que insista nas obras exteriores; em outra, que a mente se arrebate buscando descanso. Pare o trabalho de vez em quando e vá para o alto, ficando só nas coisas profundas de Deus.

Quando a alma repete isso, quando se deixa cozinhar lá dentro, desejando expulsar a desídia, o torpor da mente e todo vício da acídia, a destreza da madre distingue os tempos, move as Irmãs para coisas diferentes: uma hora aconselha a rezar, entregando-se com a mente tranquila aos esforços supernos; outra hora, faz suar no trabalho; ora estimula ao trabalho exterior, ora chama para o trabalho da mente no interior, para evitar, assim, que se cansem.

Porque, quando o trabalho dá lugar ao estudo, e o estudo ao trabalho, a própria mão dá conta melhor do peso do trabalho; a própria mente busca com maior alegria o sumo descanso, saboreia o doce estudo, torna-se hábil na santa meditação.

Entretanto, não contente com suas próprias exortações, propiciava às filhas, através de homens santos e doutos, os alimentos da vida celeste, que com o néctar da palavra sagrada saciavam as mentes das senhoras e lhes inflamavam os corações. Por essa doce bebida, tornava-se ela mesma tanto mais fecunda quanto maior era sua sede, e mais se embebia ardendo no maior amor por aquele de quem se falava.

Assim o doce alimento, a sagrada bebida do "elóquio célibe" a refaziam. Assim deleitavam-na os doces cânticos do Esposo. Assim se deliciavam os ouvidos da virgem, porque, quando um dos frades, chamado Filipe, estava pregando, aos seus se apresentava como um menino belíssimo, e a alegrava aplaudindo.

Como uma das companheiras percebeu isso no rosto da madre, rejubilava-se com a visão e o aplauso suave.

Embora desconhecesse as escrituras, a virgem gostava de ouvir os doutos, pois aprendera a tirar o miolo das palavras sagradas, tomando da casca o fruto doce, e penetrando na medula.

Foi determinado que nenhum frade fosse aos lugares religiosos das senhoras, a não ser com licença especial do papa. Quando a virgem percebeu que, por causa dessa determinação, teriam mais raramente o alimento da Palavra, sofreu e, despedindo todos os frades que pediam o seu sustento, disse: “De agora em diante não queremos mais ter esmoleres de comida, já que o papa, com sua proibição, tirou-nos dos discípulos da palavra.

Quando soube disso, o papa logo retirou a proibição, deixando o assunto ao arbítrio e querer do ministro.

Mas não cuidava só das almas, pois atendia prestativa a suas filhas, e quando as encontrava dormindo regeladas, cobria-as no frio da noite. Se alguma não podia obedecer à lei comum, e não pudesse submeter-se ao rigor imposto pela Ordem, agia com ela mais brandamente, com piedade materna.

Compadecia-se das tristes, sofrendo com elas e, chorando, curava as lágrimas das sofredoras. Se, para alguma, a tentação da mente invadisse o claustro, prostrava-se a seus pés, consolava-a com palavras amáveis, e assim erguia as mentes caídas (cfr. Sl 144,14) e amparava as doentes.

Lembrava e punha em prática a palavra do apóstolo, que a piedade vale para tudo (cfr. 1Tm 4,8) quando ajuda os enfermos, quando carrega os pesos e quando tem misericórdia dos pobres, quando levanta os caídos e a todos assiste fazendo-se tudo para todos.

Quando as discípulas lembravam os amáveis serviços da madre, retomavam para si, nos ânimos devotos e plácidos: para venerarem a doce mãe com a dedicação do amor; na esposa de Cristo, os santos vestígios, os gestos bondosos, atos e sentidos perfeitos.



Edição: Sandra Regina de Oliveira OFS
Legenda Versificada 29 Fontes Clarianas
Imagem: Pinterest


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