Reflexão Pentecostes segundo Laudato Si



Celebramos a festa de Pentecostes este ano no mesmo marco da celebração da Semana Laudato Si’ e encerramento do Ano Especial de Aniversário da Laudato Si’ que havia sido declarado pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. A encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum foi assinada por ele na festa de Pentecostes em 2015. E o tema da Semana Laudato Si’ para a celebração destes seus 6 anos é: “pois sabemos que as coisas podem mudar” (LS 13).

Sabemos que as coisas podem mudar, mas realmente cremos que isso é possível? Sabemos que a Divina Ruah, o Espírito de Vida, Amor e Justiça, é capaz de transformar a nós mesmos e a toda a realidade, mas cremos que Ela ainda faz isso? Como viver e sentir Pentecostes em meio à crise socioambiental?

Gostaria de trazer à memória aqui uma pessoa que soube ter uma visão orgânica do mundo extremamente especial, e que por essa visão e compreensão soube viver em harmonia com a natureza e reconhecer a presença de Deus nos dons da criação. É uma mulher, nascida antes de São Francisco de Assis, em 1098 na Alemanha, que só foi reconhecida como doutora da Igreja em 2012 por Bento XVI, e até hoje ainda é pouco visibilizada e falada na Igreja.


Estou falando de Santa Hildegarda de Bingen. Ela foi escritora, dramaturga, poetisa, compositora, cantora, artista, linguista (criou a língua ignota, primeira língua artificial da história), pesquisadora de plantas medicinais, médica herborista, teóloga, mística, profetisa, exorcista, pregadora, conselheira de reis, rainhas, nobres, papas e religiosos, talvez a primeira sexóloga da história (até onde sabemos, ela foi a primeira mulher a escrever sobre o orgasmo a partir da perspectiva feminina). Mas talvez o maior conhecimento dessa monja beneditina fosse sobre como admirar e apreciar cada criatura e toda a criação em interligação.

Todas as suas descobertas sobre aromaterapia (uso de aromas para o tratamento físico e mental/humor), sobre fitoterapia (uso de plantas para o tratamento de doenças), sobre cristaloterapia (uso de cristais para auxiliar no tratamento), e cromoterapia (uso de cores para auxiliar no tratamento) ela usava para melhor desenvolver e atender às irmãs do seu mosteiro. Hildegarda compreendia que se Deus criou a humanidade e a humanidade criou a medicina: Deus também está na medicina.

Foi também Hildegarda quem descobriu as propriedades do lúpulo para conservar a cerveja, por isso também é conhecida como a mulher que inventou a cerveja! Ela entendia o poder das plantas não como algo exotérico e cheio de magia, mas como ciência e dom de revelação de Deus. Assim como também compreendia que os poderes do corpo são indispensáveis, porque sem eles a alma não é capaz de se manifestar. Por isso Hildegarda cuidava dos doentes de forma integral, não só a doença, mas o estado da alma que influencia a doença ou às vezes é a razão da doença. Sua paixão pelo estudo de plantas também lhe fez reconhecer qual o melhor tipo de alimentação para ajudar no equilíbrio entre o corpo e a alma (que é o exemplo de nutrição que costuma ser indicado hoje para uma vida saudável): rica em grãos integrais, muitos vegetais e frutas, e sem muita carne.

O que todas estas peculiaridades da vida e obra de Santa Hildegarda têm a ver com Pentecostes? É graças a esta sua visão integral e orgânica das diversas áreas das ciências naturais e intelectuais que esta santa veio a formular aquilo que ela chamou de Viriditas: o sopro verde divino que tudo mantém e que renova toda a vida. A pneumatologia, ou estudo sobre o Espírito Santo, que Hildegarda desenvolve é totalmente permeada pela sua compreensão da beleza e riqueza dos dons da criação.

A Viriditas, ou o Verdor de Deus, se manifesta de forma especial na natureza, revelando a capacidade inextinguível da Vida e do Amor, pois, na compreensão de Hildegarda, depois de toda catástrofe ou descuido ambiental, mesmo que leve anos, a natureza sempre se recupera, renasce, frutifica outra vez, e se cura. Viriditas é o princípio vital da carne/corpo humano. É a conexão entre o humano e o divino que possibilita as teofanias, ou manifestação de Deus. É através da natureza que Deus se autocomunica e é através da natureza que somos nutridos e sustentados ao longo de toda a história humana.

Pentecostes, na tradição judaica, é a Festa da Colheita e também festa da renovação da Aliança. O que nós colhemos hoje? O que buscamos renovar a partir da experiência de Pentecostes da comunidade cristã primitiva?

Não há resposta certa. Mas o caminho para refletir sobre estas questões é o mesmo que o das perguntas anteriores sobre crer ou não na ação da Divina Ruah ainda hoje: precisamos lembrar de nossa interligação com a natureza. Quanto mais contemplarmos a criação, mais vamos entender em nosso coração e em nossa mente a nossa dependência e limitação enquanto criaturas – e isso é bom, é muito bom. Deus Criador, em sua infinita bondade, nos criou para ser uma comunidade de amor, não apenas enquanto humanidade, mas enquanto todo o cosmos criado.

É nesse cosmos, nessa natureza, nessa humanidade, por onde Deus revela seu Amor, concretiza sua Justiça, e nos convoca para a construção de seu Reino. A natureza, como já refletia Santa Hildegarda, é capaz de se regenerar e sobreviver a toda degradação que lhe causamos. Mas a humanidade não é capaz de se regenerar se acabar consigo mesma.

Que possamos neste Pentecostes, sensíveis à celebração da Laudato Si’, colher os frutos da conscientização ecológica, renovar a Aliança do Reino de Amor-Justiça, e que, inspirados pela Divina Ruah, a Viriditas, possamos viver como verdadeiras irmãs e irmãos guardiões de toda a criação.


Paz e bem!



Texto: Suzana Regina Moreira - Mestra em Teologia
Edição: Sandra Regina de Oliveira, OFS
Imagens 1 e 2 - Cenas do Filme: Visão - Sobre a Vida de Hildegard Von Bigen (2009)
Imagem 3 - Festa da Colheita, via site "Catequistas do Brasil"

Comentários