Tempo Pascal: A Esperança na Travessia do Vale da Morte


 

“Mesmo se eu tiver de andar por um vale de sombra mortal,
não temerei os males, porque estás comigo (Sl 23)”


O ano litúrgico da Igreja nos coloca agora no tempo pascal, mas nos parece que estamos em uma interminável quaresma, ou melhor, numa perene sexta-feira da Paixão. Nos últimos dias assistimos perplexos a quase quatro mil pessoas morrendo diariamente no Brasil somente de Covid-19. Estamos há pouco mais de um ano em um vale tenebroso que nos envolve de tal maneira a parecer não haver motivo algum para acreditar em dias melhores.

Diante do drama de tantas pessoas, precisamos visitar o drama da cruz. Fazer uma analogia entre Jesus crucificado e os milhares que morrem de Sars-Cov-2 (ou Covid-19) não é nenhum exagero.

Vamos fazer uma viagem à realidade da agonia de Jesus na cruz: os romanos crucificavam um homem com a intenção de expô-lo à mais humilhante e dolorosa morte da época. Não era uma simples execução, era uma tortura descomunal até que aquele pobre infeliz não suportasse mais e morresse (alguns outros que sofriam dessa punição ficavam por dias pendurados na cruz). Mais doloroso que a fome e a sede, era a escassez de ar nos pulmões, porque a posição da cruz era justamente para dificultar a respiração. Aquela situação era como morrer afogado, gradativamente, no “seco”.

Sem querer aprofundar muito no tema da crucificação dos demais, quero chamar a atenção para a de Jesus ressaltando alguns detalhes; sabemos que Jesus foi severamente açoitado, haviam nele feridas muito profundas e que havia perdido muito sangue. Os cravos nos punhos e nos calcanhares (sim, era assim que os romanos prendiam os condenados na cruz) ficavam roçando nas articulações – quem já sofreu uma lesão nestas áreas pode ter uma pequena idéia da dor sentida. Com isso, ficava muito difícil sustentar o corpo com os membros por muito tempo, alternava-se o apoio sobre os pés e nos braços.

É, também, importante ressaltar a dificuldade de respirar naquela situação: por ter sido brutalmente espancado, certamente Jesus tinha lesões nos pulmões que os encheram de sangue. Numa das quedas durante o caminho ao calvário, muito provavelmente, o coração também sofreu uma séria lesão, o que explicaria jorrar “sangue e água” quando transpassado por uma lança (Jo 19,34) e a morte em poucas horas. Nessas condições Jesus “respirava” como se tivesse um pano molhado cobrindo seu rosto.

Essa agonia de Jesus não se repete nas UTIs do Brasil? Jesus não está morrendo asfixiado por mais de 340 mil vezes, até o momento, no Brasil? A agonia de não ter como respirar experimentada por Jesus continua nos leitos de UTI com o endosso de alguns “líderes cristãos” que deturpam a mensagem do evangelho para satisfazer seus desvios de caráter, a exemplo dos fariseus que desfiguravam a Lei para justificar suas atrocidades, inclusive a de entregar Jesus à morte. Jesus sofre nos hospitais porque “Ele assumiu as nossas enfermidades e carregou as nossas doenças” (Mt 8,17).

Entretanto, em Jesus a morte não tem a última palavra! Na cruz, naquela falta de ar, o que parecia ser om fim de tudo era, na verdade, o começo da renovação de todas as coisas. A vida sempre vence a morte, a luz sempre rompe a escuridão. A ressurreição de Jesus é o sinal de que o vale tenebroso pode ser vencido, que o mesmo que sofre nossas dores pode nos garantir vida plena.

Precisamos, neste tempo pascal tão atípico, ser luz em um mundo mergulhado nas trevas do "negacionismo", do descaso, do desdém, falta de empatia e tantas outas situações que não remetem à luz. Precisamos ser aquela chama pascal que rompe a escuridão da morte e vence a sombra do vale. Ser luz neste momento é ser solidário, é manter-se recolhido sempre que puder porque a vida do outro está em primeiro lugar. Ficar em casa é um sinal de amor, é uma atitude de ressurreição, porque os cristãos são reconhecidos pelo amor mútuo e não pela quantidade de vezes que se vai ao templo.

Sejamos, pois, conduzidos por este Círio Pascal ao atravessarmos a escuridão, sejamos sinais de nova vida, sejamos “outros Cristos” para que o mundo, tão assolado pela morte, veja em nós a luz de uma vida nova e plena.

Paz e bem!



Texto: Marcelo Lessa, Formando OFS e Estudante de Teologia
Edição/Adaptação: Sandra Regina de Oliveira Ofs
Imagem via Pinterest

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