Reflexão de 17/7/2011 - Chegar a viver como Nossa Senhora

     
     O Projeto Franciscanos de Vida, conforme Frei José Carlos Pedroso, pode ser apresentado em 10 pequenos capítulos. Eis o primeiro:

Chegar a viver como Nossa Senhora
Maria é o Paraíso

     No Gênesis, o autor sagrado criou um paraíso terrestre imaginando uma situação de "Terra sem males". E explicou que só não estamos vivendo isso porque pecamos mas, se voltarmos à amizade com Deus, podemos esperar uma felicidade sem limites.
    No começo do sec. XVI, um santo franciscano da Ordem Terceira, Tomás More, escreveu um livro que ainda é famoso: A Utopia. Ele era primeiro ministro da Inglaterra e, considerando os problemas do país, sonhou uma nação totalmente oposta, encontrada por um navegador nos mares longínquos: foi a sua maneira de estimular os ingleses a pensar na possibilidade de transformar o país. A palavra utopia ficou em nossas línguas, ainda que os pessimistas a entendam como "um sonho impossível". É justamente o contrário: se sonharmos o possível, vamos poder realizá-lo.
     A Utopia de Tomás More era profundamente calcada no ideal franciscano. Mas o sonho franciscano ainda vai mais longe, porque projeta a sua Forma de Vida para ir realizando desde já a visão da Pátria definitiva, que Jesus veio trazer.
     Francisco começou a esboçar o seu programa na medida em que foi sendo conduzido por Deus no caminho da conversão. Em 1209, quando já tinha um grupo de doze irmãos, foi apresentar ao papa o seu sonho, que juntava umas poucas passagens do Evangelho e se chamava Forma de Vida.
     Francisco e os frades foram elaborando essa Forma de Vida até 1221. Mas foi em algumas atuações paralelas que ele mostrou com clareza aonde queria chegar: queria viver o "paraíso" eterno em que Nossa Senhora já vive em plenitude.
     Francisco estava sempre recordando essa motivação de sua devoção mariana:

Cercava de um amor indizível a mãe de Jesus porque tinha tornado nosso irmão o Senhor da majestade (2Cel 198; LM 9,3).
     Clara, que em seus escritos até lembra a Mãe de Deus mais vezes do que Francisco, também não perde de vista essa razão fundamental. Recordou-o a Inês de Praga:

Prenda-se à sua dulcíssima Mãe, que gerou tal filho que os céus não podem conter, mas que ela recolheu no pequeno claustro de seu santo seio e o carregou no seu regaço de menina (3CtIn 17-18).
     Antífona de Nossa Senhora que Francisco fez para o seu Ofício da Paixão:

     Santa Virgem Maria, não nasceu nenhuma semelhante a vós entre as mulheres neste mundo, filha e serva do altíssimo Sumo Rei e Pai celeste, Mãe do santíssimo Senhor nosso Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo: Rogai por nós com São Miguel Arcanjo e todas as virtudes do céu e todos os santos junto a vosso santíssimo e dileto Filho, Nosso Senhor e Mestre!.
     Aí está o nosso projeto, em duas grandes etapas: na final, nós vamos estar na maior comunhão com o Deus Trindade, como Nossa Senhora já está; na inicial, que estamos fazendo agora, estamos vivendo essa comunhão por sermos Povo de Deus, com os anjos e santos do céu e no meio de todas as criaturas da terra.

A comunhão de Maria com a Humanidade
     Além da Antífona de Nossa Senhora, do Ofício da Paixão, vamos ler outra oração dedicada à Mãe de Deus:

     Salve, ó senhora, Rainha santa, Mãe santa de Deus, ó Maria, que sois Virgem feita Igreja, e escolhida pelo santíssimo Pai celestial, que vos consagrou com seu santíssimo e dileto Filho e o Espírito Santo Paráclito! Em vós residiu e reside toda a plenitude da graça e todo o bem! Salve, ó palácio do Senhor! Salve, ó tabernáculo do Senhor! Salve, ó morada do Senhor! Salve, ó manto do Senhor! Salve, ó serva do Senhor! Salve, ó Mãe do Senhor, e salve vós todas, ó santas virtudes, derramadas, pela graça e iluminação do Espírito Santo, nos corações dos fiéis, transformando-os de infiéis em fiéis do Senhor! (Saudação à Mãe de Deus).
     Chamar Nossa Senhora de Virgem feita Igreja é uma de suas maiores originalidades e demonstra que a viu realmente como uma imagem do Povo de Deus:
     Como o povo de Israel, que Deus escolheu entre os mais desconhecidos da terra, Maria era uma virgem quando o Senhor a escolheu: na cultura antiga, não sendo homem nem sendo a mãe ou a esposa de alguém, era fraca, não tinha importância, era nada.
     Mas ela foi feita cheia de graça por pura bondade do Senhor, como o povo que era escravo no Egito, e Deus assumiu como sua esposa.
     E ela foi a primeira dentro de todo o Povo a receber a plenitude da vida de Deus, essa vida trinitária que Ele quer que chegue a todos.
   Nela ficou claro que toda essa união com a divindade transforma-a, eleva-a, mas não absorve sua personalidade nem a tira de sua normalidade, como deve acontecer com todo o povo.
     Na Saudação à Mãe de Deus, Maria recebe sete Salves! Começa como Rainha, é palácio, é tabernáculo, é morada do Senhor. Mas parece que os títulos vão descendo como o Deus que se fez carne: Maria também é o manto, também é a serva, embora o título de Mãe e a transformação pela graça acabem reposicionando todos esses títulos.

    Francisco e Clara sempre lembram que Maria foi pobre como Jesus foi pobre. Parece que, no concreto, principalmente para Clara, essa é a maior razão de seu amor pela Virgem Mãe de Deus.
     Quando eles pedem para sermos mães de Jesus, põem toda a força na sua proposta de vida: Jesus Cristo tem que ser buscado em tudo e essa é a maior função de Maria em nossa vida.
    Também é preciso lembrar que os dois santos, que queriam ser como Jesus na oração, repetiam a antífona de Nossa Senhora catorze vezes por dia. Lembrar Maria ajudava-os a rezar com Jesus.
     E também o propôs como o ponto mais alto a alcançar no Cântico de Frei Sol:
Bem-aventurados os que as suportam em paz, que por vós, Altíssimo, serão coroados!
    Mas Francisco e Clara ainda viram Maria como o Povo evangelizador, que assumiu ser o Cristo místico. Viram-na como peregrina acompanhando Jesus pelo mundo, pobre e vivendo de esmola.
    Por isso, o Fundador também a fez Advogada da Ordem e pediu que os frades nunca abandonassem a Porciúncula, a casa de Nossa Senhora em que a Ordem nasceu.
     A humanidade vai se realizar quando for a Cidade de Deus. Maria é a figura dessa Pátria total e definitiva.

comunhão com toda a criação
     Quando pensamos que em uma criatura como Maria "residiu e reside... toda plenitude do Bem", não devemos lembrar só o Bem em si, Deus, mas todos os seus bens, presentes no mundo. Nossa Senhora está em comunhão com a Trindade, com a humanidade e com todos os seres. Como nós fomos chamados a estar: na mais perfeita comunhão.
     Ela está em união com São Miguel Arcanjo, as Virtudes dos céus e todos os santos. É Rainha dos Anjos. Mas também está em união com os astros e com os insetos, com as plantas e com os animais, porque tudo é obra da bondade de Deus, tudo "foi feito por meio da Palavra e nada do que foi feito se fez sem ela".
     Uma criatura humana equilibrada sabe dar sentido a todos os seres, mesmo irracionais e inanimados, porque nem os diviniza nem os escraviza, mas entra em comunhão com eles.              Como na situação do paraíso terrestre: e Maria é a nova Eva.

     De um lado, nós vamos encontrar Deus em todas as obras de suas mãos. De outro, nós estamos incluindo tudo no nosso sonho de vida em plenitude.

     Como agir com Maria ordenando todos os bens encontrados no mundo para a Trindade? Em primeiro lugar, a gente entra em comunhão com eles; depois, integra-os no bem das pessoas e de todo o universo, sem desrespeitá-los nem agir contra a sua própria natureza.
   O Francisco que, segundo São Boaventura, parecia ter voltado ao estado de bem-aventurança primitiva, começou integrando a imagem de Maria na Trindade. Mas foi a visão da onipresença de Deus que o fez ser o amigo da cigarra e do coelho do mato, que o mundo de hoje tanto admira.

     No seu projeto, ele propõe que, a partir da comunhão com a Trindade, con-sigamos a comunhão com todos os seres.

Propostas práticas
     1. Nós somos pessoas que assumiram, diante da Igreja, que é o Povo de Deus, cultivar uma vida-testemunho de como é possível e bom aderir totalmente ao Evangelho. Você tem tido uma consciência diária de que seguir o carisma de Francisco e Clara é cuidar dessa responsabilidade no concreto?
     2. Você pode dizer que está cultivando, dentro de você, a união cada vez maior com o Deus Trindade? Você está conseguindo iluminar o seu mundo interior para fazer com que todas as suas forças se relacionem e criem uma comunhão intensa do íntimo do seu ser?
     3. Como é que Maria pode ajudar você a ser mãe de Jesus? Lembre os casos em que você ajudou positivamente algumas outras pessoas a serem cada vez mais cristos. Lembre a história de como você está conseguindo realizar a imagem e se-melhança de Deus que está em você para ser de verdade um novo cristo.
     4. Como foi que, até agora, você ajudou as pessoas a serem povo de Deus? Como é que você tem cultivado as suas raízes como povo e como é que tem buscado a integração com um Povo que caminha seguro na direção da esperança porque está firme na memória do que Deus já realizou no passado?
    5. Tente contemplar cada animal, cada planta, como se todo o universo existisse só por causa deles. Contemple-os longamente para entender como é o bem de Deus que se reflete neles. Tente ser uma pessoa integrada na Trindade, como Maria, para imaginar como ela integraria no seu mundo essa criatura.

Fonte: Texto “Projeto de vida?”, extraído do livro Projeto Franciscano de Vida, de Frei José Carlos Pedroso

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